terça-feira, 2 de junho de 2009

Enganos e Desenganos acerca do Projeto Social da Gestalt-terapia

Há vários anos, em um Congresso Internacional, ouvi de respeitável colega estrangeiro a decretação da falência do projeto social da Gestalt-terapia. Lembro-me bem do meu desconforto na ocasião, quando as questões da vida em sociedade, da organização coletiva, da existência ou ausência de um projeto para a clínica comprometido com a viabilização/transformação das relações sociais já me ocupavam

Bem, dizem os ditos populares: “Quem cala, consente” e “Os incomodados que se mudem”. Por uma (im)provável mistura de ‘oralidade’ e vocação, jamais consegui calar sobre essa questão. Não pude me conformar – pois isso implicaria em agregar mais uma falência a um já longo rol de fracassos de tantos projetos sociais. Afinal, a paz e o amor não puderam neutralizar os efeitos dos mísseis; o comunismo não sucedeu o capitalismo; alguns irmãos do Henfil até voltaram, mas (ainda) não se pode dizer que tenham seu sonho realizado. Pior que não calar, por teimosa ou seduzível que seja, não me mudei – como deveriam fazer os incomodados – mas preferi ficar e continuar a elaboração dessa recusa em aceitar tão prematuramente como fechada e conclusa uma questão (uma Gestalt) que absolutamente não o é. Felizmente tenho encontrado, aqui e ali, pelas curvas desse sinuoso caminho, algo imprescindível para que o conteúdo do que falo adquira uma forma coerente que o sustente: companhia. Com base em experiências de interlocução com pessoas e grupos diversos (colegas da clínica privada e pública de orientação gestáltica, psicanalítica, corporal, analítico-institucional; clientes de consultório e pacientes institucionalizados e suas famílias; associações e comunidades; etc.), penso que tenha algumas considerações a fazer, de modo a (re)acender e/ou colocar mais lenha nessa ‘fogueira’. No presente texto vou procurar desenvolver algumas dessas considerações, e o farei em três tempos, como em uma espécie de jogo em que se combinam a briga de forças e o lúdico.

PRIMEIRO TEMPO: LUTO E MELANCOLIA

Chamo a esse tempo inicial do jogo ‘Luto e melancolia’ em referência à idéia (freudiana, em princípio) de perda do objeto amado e conseqüente introjeção do mesmo. Nesse primeiro tempo é necessário e faz sentido concordar com a falência do projeto social da Gestalt-terapia, porém de um modo bem diferente do que comumente se faz. Esse projeto é falido, sim, não apenas porque a contracultura não vingou, porque era desde sempre ou acabou sendo capturada pela ideologia dominante; também não porque a teoria da Gestalt-terapia não era ‘suficientemente consistente’ para que a abordagem alcançasse a extensão que prometia, promovendo uma reconfiguração dos campos clínico e social.

A falência (em primeiro tempo) do projeto social da Gestalt-terapia representa, muito mais amplamente, a falência – ainda não completamente assumida – do projeto da psicoterapia como técnica, apoiado no projeto inicial da psicologia como ciência. Posso explicar isto, ainda que simplificadamente, por três eixos de discussão: o epistemológico, o sócio-antropológico e o psicológico propriamente dito.

· O primeiro eixo, epistemológico, é o que permite compreender como o projeto da psicologia como ciência é sustentado por um conceito de ‘objetividade estática’, do que deriva a concepção de ‘sujeito metafísico’. Há uma pressuposta separação entre tais sujeito e objeto, que se transpõe para outras cisões, a saber: conhecimento X aplicação, teoria X técnica e self X outro. Como resultado, nos vários projetos psicológicos ‘científicos’, sujeito e objeto passam por uma longa e nociva separação, apenas muito recentemente começando um processo de reconciliação, pela via do que se tem chamado a ‘mudança de paradigma’.

· O segundo eixo, sócio-antropológico, é o que permite observar os efeitos da longa e elaborada produção do moderno individualismo. Quando o indivíduo se torna o valor moral supremo, a única concepção possível de sociedade (a única que resta) é a de ‘associação’ de elementos individuais. Essa característica das sociedades atuais tem uma importância sutil – principalmente para quem compreende a diferença entre as perspectivas associacionista (na qual se parte dos elementos) e holista (que privilegia o todo em relação às partes).

· O eixo psicológico revela como a ‘falência’ em questão se refere a que:

1) A objetividade se superpôs à objetividade, determinando a produção de concepções estáticas sobre presumidas ‘estruturas’ psíquicas – o self, o ego, o id, a personalidade, a consciência, etc.; e isso atravessando diversas escolas e linhas, sempre com base na ruptura fundamental entre self e outro.

2) O próprio desenvolvimento da psicologia e suas aplicações contribuiu para uma enorme ênfase no ‘intra-psíquico’, que foi se tornando ‘inchado’, enquanto o ‘extra-psíquico’ foi se diluindo. Assim, a atual crise das identidades é também crise desse tipo de individualidade, é crise de pertencimento, carência daquilo a que se referir e em que investir como sujeito. Ou seja, o narcisismo e a ‘auto-absorção’ andam lado a lado com a impotência, o esvaziamento da dimensão da ação em âmbito comunitário, social, político, econômico. Ou, como disse Castel (1987, p.157), virando a metáfora marxista da religião como ‘o sol de um mundo sem sol’: a psicologia teria se tornado ‘o social de um mundo sem social’ – um mundo de objetos, de coisas, um mundo do qual o homem teria se retirado e sobre o qual pensara que poderia impor sua vontade.

Em resumo, a falência do projeto clínico e social de que falo corresponde à falência do projeto de psicologia científica que ‘encapsula’ a subjetividade e do projeto mecânico-tecnocrático de psicoterapia que visa a manipulação do indivíduo pelo uso de modelos normativos. Esses projetos confundem alhos com bugalhos, ou seja, pressupõem como dado o que é abstração formal ou desenvolvimento metodológico, separando o que não pode ser separado (sujeito e objeto, homem e mundo, indivíduo e coletividade) e censurando o que não pode ser censurado (a intencionalidade da consciência humana em sua visada de mundo). Não custa lembrar que em Gestalt-terapia os projetos em questão também se manifestam, pela reificação e uso mecânico de conceitos como ‘self autêntico’, ‘contato íntimo espontâneo no aqui-agora’, etc. Mas a verdadeira transformação de relações, em vários níveis, necessita uma atitude distinta. De modo que esse primeiro tempo implica em reconhecimento do fracasso, da perda ou do fim de um projeto; da constatação de que “apesar de termos feito tudo, tudo o que fizemos / ainda somos os mesmos / e vivemos como nossos pais” (Belchior, “Como nossos pais”) – sejam eles Newton, Descartes, Freud, Perls...

Felizmente, graças a um desses pais, já passamos dos estágios iniciais de desenvolvimento e a introjeção pura foi apenas o começo da história e do jogo. Podemos então passar ao segundo tempo.

SEGUNDO TEMPO: NEUROSE DE ANGÚSTIA OU TRANSTORNOS ANSIOSOS MÚLTIPLOS

Nesse segundo tempo é possível avaliar, na Gestalt-terapia, o que é prejudicado pela imersão inevitável no contexto científico-profissional e sócio-cultural e, também , o que é capaz de sobreviver e reconfigurar essa falência em primeiro tempo.

Sabemos que uma das fontes do radicalismo da Gestalt-terapia vinha da ênfase na autonomia criativa da atividade saudável e na propriedade estética (demostrada pela Psicologia da Gestalt) pela qual as pessoas tendem a viver e organizar a experiência em todos, caracterizados por forma, estrutura e unidade. Esse radicalismo se traduzia em uma posição anarquista oposta às ideologias liberais que podem promover a manipulação dos indivíduos por especialistas - cidadãos por políticos, pacientes por terapeutas, etc. (Miller, 1980).

Será possível fazer sobreviver essa atitude radical em meio à atual ‘crise de contexto’, ou seja, em um mundo tornado não-social? Como fazê-lo, se a individualidade moderna é tanto prisão quanto se propõe liberdade? Como, ainda, se a noção tão preciosa de autonomia se confunde com uma ingênua (ou nem tanto) idéia de independência das relações em diversos níveis (o par, a família, a amizade, o tempo, o espaço, o coletivo...)? Como, enfim, se perdemos a confiança em uma relação saudável ou propriamente eco-lógica como ambiente?

A angústia pela qual nomeio esse segundo tempo não pode ser entendida em termos estritamente freudianos. Ela é melhor descrita no poema “Canção” de Cecília Meireles:

“Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar.
(.......................................................)
Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito:
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.”

Para mantermos fortes e produtivas nossas mãos e irrigáveis nossos olhos, é preciso saber que a grande diferença em termos de projeto clínico e social está, não em qualquer técnica, mas na possibilidade de desenvolvimento e instrumentalização de uma teoria da subjetividade não-encapsulada.

Em Gestalt-terapia esta tentativa está presente na profunda crítica desenvolvida por Perls, Hefferline & Goodman (1977/1951) ao conceito de self passivo-interno-individualizado-biológico. Ali se encontra a caracterização do self como função fronteiriça, sistema de contatos, processo ativo no conflito de superfície, devir; e não como estrutura interna, núcleo rígido, individualizado ou separado do ambiente. Mas é preciso ir além dessa crítica, ou da sua introjeção passiva, para fazer justiça a algo encontrado já nos primórdios do desenvolvimento da Gestalt-terapia, em “Ego, Hunger & Aggression” (1969/1942): o valor atribuído por Perls à mastigação, à agressividade, fundamentando nos primeiros estágios do desenvolvimento a possibilidade tão profundamente humana de criticar e elaborar a experiência.

A diferença é, portanto, começar com o sujeito experienciando já dentro do mundo, ao mesmo tempo e paradoxalmente sem haver realmente dentro e fora, já que não há mundo objetivo ou indivíduo objetivo senão por abstração. Essa era a posição radical que Husserl (s/d) propunha com sua fenomenologia, contrária à tendência de abstrair organismo, abstrair ambiente e depois tentar recombinar os dois secundariamente – tendência da qual derivam os efeitos mais esdrúxulos.

É preciso poder mastigar e destruir, então, para combater a falsa idéia de que a solução dos males psico-sociais está exclusivamente na intimidade entre seres individualizados – ou de que a intensidade das emoções é tudo que importa. É preciso mastigar e destruir para saber que as emoções nos informam sobre o que existe ou está faltando em nós e no mundo, de modo que importa bem mais a qualidade do direcionamento das emoções em relação ao ambiente (Miller, op.cit.) e os modos de sermos afetados por ele. Novamente como dito em Perls, Hefferline & Goodman (op.cit.): “se toda a energia provem de dentro, perde-se a possibilidade de uma solução criativa das contradições de superfície”, ou seja, do conflito desejo X impossibilidade, necessidade X não-realização... Isso é diferente, pois ao contrário da idéia tradicional, self e conflito (sujeito e contexto) não se inviabilizam mutuamente. É como dizem João Bosco e Aldir Blanc em “Transversal do tempo”:

“As coisas que eu sei de mim são pivetes da cidade; pedem, insistem e eu me sinto pouco à vontade, fechado dentro de um táxi numa transversal do tempo...”

Falando em tempo, é hora de passarmos ao terceiro.

TERCEIRO TEMPO: UM MUNDO, UMA LÍNGUA? COMO ASSIM, CARAS-PÁLIDAS?

O terceiro tempo é a hora dos pênaltis, do inusitado, hora de jogar com a paradoxalidade da clínica psicoterapêutica, caracterizada pela ética que propõe um compromisso entre os campos individual e social da experiência, mesmo quando trabalhamos com indivíduos empiricamente dados.

Lembrando os dois tempos já referidos (depressivo e ansioso), vê-se que representam momentos em geral presentes em todo conflito entre o passado e o novo, entre o já (re)conhecido e o desconhecido, entre o self-até-agora e o self-a-partir-de-agora. Esses dois tempos também representam dois grupos de sintomas (depressivos e ansiosos) que referem muito do sofrimento típico desse início de século nos diversos conflitos entre homem e mundo (entre parceiros conjugais, pais e filhos, povo e governo, homem e natureza, trabalhador e (des)emprego, cidadão dentro do carro e pivete no sinal, etc.). Estados depressivos e ansiosos falam da decepção, desapontamento, desilusão e do seu contraponto: a excitação, o desejo e a mobilização em relação ao mundo que não é como queremos, mas do qual não podemos abdicar.

Por isso penso que os diversos estados depressivos e ansiosos podem, de certo modo, falar por outros quadros ‘clínicos’ significativos, seja como sintoma manifesto ou conteúdo latente, por exemplo: no caso de alguém tomado de medo que sabe que deve guardar bem seu próprio segredo; de alguém inundado de melancolia por jamais ter colocado um novo sonho num navio; de alguém revoltado, tipo bem brasileiro, que dá pernada a três por quatro, carcará, mais coragem do que homem; ou de alguém que, para se salvar, precisou perder realmente o mundo. Se ficar melhor em linguagem mais técnica, então, respectivamente: na paranóia, na depressão grave, no ‘transtorno de personalidade agressiva’ e na esquizofrenia.

Estados depressivos e ansiosos são, também, a expressão mais atual de como o conflito, a desorganização, a contradição, a negatividade, a dúvida, a tristeza, o medo, tendem a ser predominantemente tratados: como afecções que devem ser medicalizadas - o clássico ‘o médico e o monstro’ aparece em versão mais moderna.

Assim, o projeto ‘científico’ de previsão e controle avança, de modo que o capítulo para transtornos mentais do CID-10 da Organização Mundial de Saúde tem 100 categorias para as equivalentes 30 da versão anterior, a CID-9. Os estados depressivos e ansiosos são, a exemplo dos demais, minuciosamente descritos, de modo a tornar possível o diagnóstico classificatório de praticamente qualquer vivência do sujeito, confirmando a direção que o slogan de um Congresso Internacional de Psiquiatria do qual participei (Espanha, 1996), apontava: “One World, one language” (“Um mundo, uma língua”).

Sem pretender absolutamente negar o mérito da boa e séria pesquisa clínica, penso que é preciso ver com cuidado a busca desse nível super sofisticado de padronização de ‘patologias’ que, mesmo quando reconhecidamente geradas por fatores culturais e sociais, tendem a ser tratadas exclusivamente como problemas individuais. A ansiedade e/ou a depressão contemporâneas são, no mínimo, tanto sintomas culturais e sociais quanto ‘desequilíbrios’ ou doenças pessoais e ‘privadas’. E enquanto sintomas dessa qualidade, são particularmente sensíveis à manipulação.

É certo que nossos (im)pacientes ansiosos, inquietos, perturbados, agitados, ou, ao contrário, aqueles tão profundamente tristes ou apáticos, nos deixam inquietos, perturbados, ansiosos, às vezes bastante tristes. Então é preciso saber e poder tolerar bastante ansiedade para fazer valer esses estados que são resposta (atenção, não ‘conseqüência’, mas resposta) ao desafio da vida humana, resposta ao que possa haver de ruim, dolorido, desiludido ou morto nas pessoas e no mundo – e também sinal do que ainda (quem sabe?) se sonha realizar para si e para o mundo. Ou não é verdade que nós perdemos e sofremos a cada vez que um sonho ou projeto, seja pessoal, conjugal, grupal, institucional, social, vai à falência? Sofremos à medida em que precisamos nos diferenciar daquilo com que nos identificávamos e porque, para não falir junto, queremos de novo nos comprometer com um novo sonho ou projeto. E a identidade (individual, grupal, etc.) só assim vai se constituindo, continuamente em processo de auto-exo-referência, implicada com as relações de todo tipo, com a ação social e a vida cotidiana, portanto como paradoxo homogeneidade-heterogeneidade.

Não sei se parafraseando ou subvertendo o poeta/músico (Belchior, op.cit.), posso dizer, em relação, simultaneamente, à teoria da subjetividade e ao projeto para a clínica e a sociedade em Gestalt-terapia, que é pertinente termos tristeza e medo, se percebemos que não fizemos nada do que dissemos - pois afinal, já não somos os mesmos nem que nós mesmos.

A possibilidade de preservação, ou ainda melhor, de (re)criação de um projeto de transformação social na clínica psicoterapêutica está, portanto, montada sobre o tipo de resposta que possamos dar a esses dois tipos de quadros, assim como a outros:

- Se essa resposta tende à exclusão ou erradicação dos mesmos é alienante, leva à falência do sentido próprio de subjetividade e de humanidade, porque enquanto intenciona eliminar a diferença, o conflito, a revolta, a recusa, a desobediência, a agressividade, vai levando embora junto o interesse, a curiosidade, a atividade, a positividade. Apaziguar precocemente ‘lutas’ não concluídas (seja entre cônjuges, entre pais e filhos, entre neuróticos e psicóticos, entre profissionais de saúde mental e gerentes de políticas, entre cidadãos e mercado, etc.) em nome da preservação de um suposto ‘self autêntico e equilibrado’ é um projeto conservador, uma vez que só pode haver crescimento no desenvolvimento ativo do conflito.

- Por outro lado, se a resposta da clínica tende a interpretações reducionistas, é igualmente alienante. Então toda psicologia do self individualizado, interiorizado, fixado, cristalizado, é neurótica; assim como toda psicoterapia exclusivamente individualista ou ‘familialista’ se torna também conservadora.

CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE O ‘PLACAR’ DO JOGO

É preciso sempre lembrar que a teoria é nossa metáfora instrumental para um projeto de ação-intervenção. A teoria da Gestalt-terapia é especialmente atrativa por ser uma metáfora relacional da subjetividade enraizada nas relações sociais, potencialmente mobilizadora do desejo em sua natureza ativa e coletiva e, nesse sentido, também potencialmente modificadora da realidade. A clínica em Gestalt-terapia é sempre social, porque lida com o ‘entre’, com o dar e receber, com a troca, quer se queira ou não. O que não qualifica essa abordagem como ‘boa’ ou ‘má’ – isso vai depender do tipo de troca facilitada ou impedida nas suas práticas concretas e reais.

O projeto para a clínica e o social que para mim faz sentido nesse contexto implica muito mais em abertura do que em fechamento; implica em capacidade de fazer da clínica (particular ou institucional, privada ou pública, o lugar onde se privilegia e se dá suporte ao conflito, à incerteza, à alteridade, ao desconhecido, à falta de controle do que nunca terá controle. O campo da saúde mental é, assim compreendido, o lugar de validação da multiplicidade de línguas/linguagens, e não o da sua ‘unidade’.

O projeto social da Gestalt-terapia é seu projeto clínico, cuja vocação precisa, porém, para se consumar, de uma ótica multidimensional, processual, polissêmica, capaz de reconhecer e gerar heterogeneidade onde só se pretendia (ou admitia) homogeneidade, capaz de fazer valer a vontade onde só havia o ‘destino’, capaz de fazer emergir (con)textos novos e imprevistos onde só havia a figura do mesmo – ou do si-mesmo.

Estejamos nós, terapeutas, com um paciente classe (ainda)média no consultório particular ou com um grupo de ‘loucos’ marginalizados numa das instituições (semi)públicas de nosso país, saibamos que

“O que transforma o velho no novo bendito fruto do povo será. E a única forma que pode ser norma é nenhuma regra ter. É nunca fazer nada que o mestre mandar. Sempre desobedecer Nunca reverenciar.”
(Belchior, “Como o diabo gosta”)

Não é um projeto tão tranqüilo, nem sempre suave, esse que proponho. Mas, do modo como vejo, se o projeto de intervenção e transformação social da Gestalt-terapia vai à falência, vai também pelo mesmo caminho todo seu projeto clínico.

Claudia Baptista Távora

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